Nosso pai, Joseph Tsu Hung Sieh, nasceu em 1911, numa época em que a China passava por uma grande turbulência, na aldeia rural provincial de Jiang-yin, a pouco mais de 180 quilômetros de Xangai. Localizada na margem sul do rio Yangtze, nos anos 1900 Jiang-yin era uma cidade pequena, sob a jurisdição da Província de Jiangsu. A terra, apelidada “Sombra do Rio”, em chinês, tem uma significativa história de civilização humana de mais de 5000 anos, que remonta à Nova Idade da Pedra.
Nos últimos 2500 anos, essa antiga cidade sofreu frequentes mudanças de nome, que acompanhavam as alternâncias de poder das dinastias dominantes. Tradicionalmente, Jiang-yin foi uma área de cultivo no sul da Planície Jiangsu, e a principal fonte de renda da aldeia vinha dos produtos agrícolas, principalmente arroz, trigo, algodão, etc. Além de Xangai, uma outra referência geográfica é a cidade de Suzhou, um centro cultural da China que ficou famoso pelos artistas e estudiosos ao longo da história do país, até os tempos atuais. Como se vê no mapa, o caminho de Jiang-yin para Xangai passava por Suzhou.
A ‘Maldição do Ópio’ e seu impacto na Família Sieh
Nos últimos dias da Dinastia Ch’ing, a história tem mostrado que nenhuma causa foi mais destrutiva para a China do que a do vício do ópio. Era uma maldição que proliferou pelo comércio com a Grã-Bretanha e outras potências estrangeiras. O costume de fumar ópio foi adotado inicialmente pela elite influente da China e, aos poucos, toda a sociedade passou a aceitá-lo como parte de sua própria cultura. O uso do ópio era altamente viciante, porque induzia uma sensação traiçoeira de bem-estar e passividade no fumante.
O nosso avô, Sieh Vun Da, o único herdeiro masculino de duas famílias de proprietários de terras, tornou-se viciado relativamente cedo na sua vida, sem que se soubesse as causas que o levaram ao vício. Era com a venda de suas terras herdadas que o Avô sustentava seu hábito. Duas vezes viúvo, casou-se pela terceira vez depois de perder a maioria de suas propriedades. Nosso pai, Tsu Hung Sieh, foi o segundo filho deste terceiro casamento.
A perda humilhante do Avô não era um caso isolado. Duas guerras, conhecidas como as “Guerras do Ópio”, foram travadas quando a China queria suprimir o uso de ópio, enquanto que os britânicos e os franceses viram-no como “comércio lucrativo” para ser mantido. Além do aspecto econômico, havia o detalhe político: seria mais fácil dominar uma sociedade anestesiada pelo vício. A China perdeu ambas as guerras e o resultado do acordo de paz foi a perda da Ilha de Hong Kong aos britânicos por 100 anos e a divisão da cidade de Xangai em diversas partes, conhecidas como as “Concessões Estrangeiras”.
O decreto imperial proibindo o fumo de ópio fez com que o vício do Avô ficasse cada vez mais caro, além de ter se tornado ilegal. Muitas vezes ele foi jogado na cadeia, sendo liberado apenas por meio de suborno. A situação tornou-se tão desesperadora que ficou impossível para nosso Pai permanecer em casa e continuar na escola.
Joseph Tsu Hung Sieh, que na época estava com 14 anos, foi retirado da escola e empregou-se como aprendiz num estabelecimento comercial, inicialmente em Suzhou e, mais tarde, em Xangai. Durante os próximos três anos, ele guardou todo o salário para sustentar sua mãe. Ser aprendiz significava dormir em cima do balcão estreito da loja. Levantando de madrugada, sua primeira responsabilidade era a de lavar os penicos dos dormitórios onde se hospedavam os outros funcionários da loja.
Quando nosso Pai tinha 17 anos, a mãe dele, nossa Avó, faleceu por falta de cuidados médicos adequados, dada a extrema pobreza a que foi reduzida a família.
Após a morte de sua mãe, nosso Pai tornou-se determinado a não sucumbir às duras realidades do destino. Apesar de profundamente entristecido pela perda da mãe e pela vergonha da desgraça de sua família, ele resolveu construir uma vida própria e se estabelecer permanentemente em Xangai. Nunca falou de sua dor ou de seu luto.
Embora já dividida em “concessões” ocupadas pelas potências estrangeiras, a cidade de Xangai ainda pertencia à China. Em 28 de janeiro de 1932, a Marinha japonesa bombardeou Xangai, alegadamente para esmagar o movimento estudantil chinês que protestava contra a ocupação japonesa da Manchúria. Os dois lados lutaram até um impasse, e um cessar-fogo foi negociado. Durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, a cidade caiu após uma outra batalha, em 1937, conhecida como a Batalha de Xangai. No entanto, mesmo sob o governo japonês, as concessões estrangeiras (alemã, inglesa e francesa) mantiveram-se intactas e seus negócios prosperaram ainda mais com atividades comerciais contínuas, protegidas pelas potências estrangeiras.
Este fato ajudou a carreira do nosso Pai de maneira inesperada. Ele aprendeu sozinho a falar inglês e, graças ao seu esforço, evoluiu da humilde posição de aprendiz e tornou-se um hábil ‘expert’ na comercialização de fios têxteis. Logo, o seu dom para o empreendedorismo, sua observação sagaz e sua dedicação ao trabalho duro ganharam o reconhecimento de seu mentor. Durante esses anos de guerras intermináveis, enquanto gerações de tradições chinesas foram se desintegrando, nosso Pai teve a perspicácia de vislumbrar as oportunidades que se ocultavam naqueles tempos perigosos e arriscados. Dessa forma, ele foi rapidamente promovido a uma parceria de negócios no comércio com os “estrangeiros”.
Em 1934, aos 22 anos de idade, converteu-se ao Catolicismo, foi batizado na Catedral Católica de Xangai e casou-se com a nossa mãe, Maria. Antes de seu casamento, nosso pai pouco sabia de qualquer prática religiosa. Muitas famílias chinesas da época estavam abandonando os tradicionais e milenares cultos do confucionismo, taoísmo e budismo, e a sua família não foi uma exceção.
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