A China foi novamente subjugada por conflitos em muitas frentes, mas desta vez as lutas foram internas. Após a saída dos japoneses, os “senhores feudais” do antigo Império voltaram a reivindicar o poder. Mas a maior ameaça à paz eram os comunistas chineses, que espertamente se disfarçaram de reformistas contra todos os líderes corruptos, o general Chiang Kai-shek e os “senhores feudais”. Para o povo, seriam eles, os comunistas, que uniriam a China. O Presidente Truman enviou à China o General George Marshall – o famoso autor do Plano Marshall para a reconstrução da Europa no pós-guerra – para negociar uma trégua entre os nacionalistas e os comunistas. A verdadeira questão, a agenda oculta pela dominação mundial dos comunistas chineses, foi esquecida.
Nosso Pai mostrou-se muito preocupado com essas negociações, mas ainda mantinha uma pequena chama de esperança. Após o fracasso da missão Marshall, a esperança de que os nacionalistas pudessem resistir à maré do comunismo, sem a ajuda dos EUA, tornou-se impossível. Nosso Pai encontrou-se em uma situação desesperadora. Ele estava no auge de sua carreira como empresário, mas a ameaça de ter suas empresas e seus bens confiscados tornava-se cada vez mais concreta, com o iminente triunfo dos comunistas. Ainda assim acalentava a possibilidade de que talvez o comunismo pudesse ser benéfico para o desenvolvimento da China, e que, embora fosse hostil à sua fé, ele poderia sobreviver.
Em novembro de 1948, ele finalmente cedeu aos apelos de nossa Mãe de abandonar todas as suas empresas, para colocar a salvo nossa família. Não tivemos alternativa a não ser fugir do comunismo, rumando para Hong Kong. Os argumentos contundentes de nossa Mãe, contra a insistência do Pai, que queria arriscar tudo, permanecendo na China, ainda soam claramente em nossa memória. ‘Mesmo que você e eu estivéssemos dispostos a morrer como mártires’, disse ela, ‘quem irá preservar a fé destes pequeninos?’. Foi o argumento decisivo para que ele finalmente tomasse decisão tão difícil.
Numa manhã de novembro de 1948, sete dos filhos foram trazidos apressadamente de suas escolas para casa. Lá se juntaram mais duas irmãzinhas e o irmão caçula da família, ainda bebê. Ao todo, eram dez crianças, uma babá e nossa mãe que embarcaram em três aviões diferentes, partindo de Xangai para Hong Kong. Nosso pai seguiu na semana seguinte e, em menos de um mês, o aeroporto de Xangai foi fechado. Os dezoito meses que passamos em Hong Kong renderam mais um membro para a família Sieh: a nossa irmã Cecília. Para a família, aqueles foram dias turbulentos de luta, como se vivêssemos um “cabo de guerra”, com nossa mãe de um lado puxando para a família ficar mais longe da ameaça do comunismo, e o pai do outro lado, olhando para trás para ver se ele ainda poderia encontrar uma maneira de gerenciar seus empreendimentos na China, permanecendo na condição de exilado em Hong Kong.
Em 1950, com a Guerra da Coreia em andamento, a ameaça do comunismo internacional tornou-se ainda mais real. Depois de saber do martírio do Pe. Beda numa prisão em Xangai, e depois de revisitar o Papa em Roma, novamente por insistência de nossa Mãe, o Pai levou sua família de onze filhos de Hong Kong primeiro à Argentina e, depois, para o Brasil como imigrantes. Importante enfatizar o conselho de Monsenhor Montini, quando esteve pela última vez em Roma: “Mr. Sieh, o senhor tem uma família grande, de muitos filhos. Por que não levá-los para um país católico na América do Sul?”. Foram palavras proféticas.
Estas duas últimas decisões – a de fugir da China para Hong Kong e a de deixar Hong Kong para o Brasil – eram pontos críticos, decisivos, e tornaram-se a base e a referência para todo o resto da história da busca da família Sieh por uma nova vida. A travessia foi feita em duas etapas. Em primeiro lugar, deixar Xangai significava nos desenraizar por completo, deixar nossas propriedades, abandonar nossa cultura. Em segundo lugar, expunha nossa vulnerabilidade, ao assumir o risco enorme de enfrentar o desconhecido, comprometendo-nos a seguir em frente com fé.
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