Segundo Freire, não nos educamos sozinhos, nos educamos em comunhão com os outros. Portanto, é no encontro dançante com os outros e outras que acertamos passos e ritmos, acertamos a direção e embelezamos a vida. Freire também falava da boniteza, a “boniteza de ser gente”. Quando falava da boniteza e a dança aqui nos rememora esta dimensão, estamos falando dos sonhos e utopias. Um projeto como Viva Mulher para além de acolher, cuidar, se ocupar e preocupar com mulheres em vulnerabilidade social, com mulheres da batalha, compromete-se desde uma perspectiva da transformação da realidade com a boniteza e com os sonhos. Isto significa dizer que atuar neste espaço e criar momentos de encontro, dança e movimento nos coloca diante do compromisso de educar/ atuar/ acolher/ cuidar a partir da “boniteza”, sem esquecer, entretanto que a beleza está em todo lugar. Depende do nosso olhar, da nossa sensibilidade, da nossa consciência, do nosso trabalho e do nosso cuidado.
Era final do mês de maio de 2019 e o objetivo era celebrar junto às mulheres o dia das mães, celebrar a vida, os sonhos e os desafios cotidianos. A imagem do poço como lugar de encontro foi uma estratégia para permitir que mulheres diversas pudessem conectar-se consigo mesmas e com as outras, perceber a importância de si, ainda que muitas vezes os desafios dificuldades no dia a dia sejam intensas. Historicamente a luta pelos direitos das mulheres tem apontado que quando elas se reúnem e unem geram transformações possíveis. A vida, portanto, só pode ser compreendida e vivida a partir das relações que as pessoas estabelecem entre si, consigo mesmas e com o Sagrado.
O poço na tradição bíblica (Gn 162, Jo 8) significa o lugar de encontro e resistência. No poço diversas situações de encontros possibilitaram o encontro consigo mesmas e com o Sagrado. As pessoas se dirigiam ao poço em busca de água. No poço algumas pessoas tiveram experiências de encontro e sentido com o próprio Deus. Dois exemplos nos vêm à memória: Agar e da Mulher Samaritana. A primeira chora por seu filho e Javé escuta o seu clamor. A segunda vai ao poço buscar água e lá se encontra com Jesus. Recordar a imagem do poço significa rememorar este lugar do encontro que possibilita a resistência e encontro consigo mesma.
Com carinho e singeleza, foi criado um cenário no auditório com um poço ao centro. Iniciamos à tarde com acolhida e aconchego. Toda a tarde foi uma celebração da vida e da valorização da mulher. Cada mulher foi convidada a se achegar ao poço, respirar e reconectar-se consigo mesmas, dizer seu nome, e olhar dentro do poço (lá foi colocado um espelho, de modo que cada uma podia se reconhecer). Para algumas mulheres que ali se encontravam não foi fácil se aproximar do poço, para outras uma experiência de encontro consigo mesma, outras expressaram alegria, surpresa e gratidão.
Frases ditas por mulheres nesse encontro de celebração da vida: “Aqui é um lugar que encontro paz”, Lu. “Qualquer hora que eu chegar, sou bem recebida”, Mel A celebração continuo com dança, cuidado a beleza, diálogos, partilha de vida, presentes e alimentos. Partilha de vida que acontece de formas distintas. Um espaço de encontro e celebração que gera vida e sentido.
Poema
No poço a gente se encontra
No poço a gente se vê, se olha, se apalma, se reconhece;
No poço: Vivas Mulheres, fecundas, admiradas, alegres, surpresas;
O poço é lugar de Vida: buscar água é buscar vida;
O poço é lugar de utopia: buscar vida é buscar força e sentido!
No poço: Viva Mulher crescendo, aprendendo, comprometendo-se.
Se o espaço e poço é Viva Mulher, Somos, portanto, Mulheres Vivas, Vivas Mulheres, seguindo, gestando e sonhando.
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